A Praça João Martins foi o cenário de um São João que misturou sem medo o axé elétrico de Bell Marques, o piseiro explosivo de Matheus Fernandes e a energia pop de Vitêra, sem que se perdesse em nenhum momento a essência do forró — porque, na Bahia, o São João pode até ser raiz, mas nunca é engessado.
Vitêra foi o primeiro a mostrar como a festa cabia em muitos estilos. Sua apresentação uniu estética jovem e arranjos modernos, com guitarras baianas e beats eletrônicos que esquentaram o público ainda no início da noite. Mesmo em meio à batida pop, o artista não deixou de reverenciar o São João raiz, incorporando elementos de zabumba e triângulo em seus arranjos e homenageando nomes como Dominguinhos em trechos pontuais. O público respondeu com entusiasmo, mostrando que a abertura para o novo não exclui o respeito pelo antigo — um equilíbrio que define o espírito junino baiano.
Na sequência, Matheus Fernandes elevou o termômetro com um repertório que misturou o piseiro em alta rotação com sucessos românticos do forró eletrônico. Foi ali, entre músicas como “Baby Me Atende” e “Balanço da Rede”, que o público viveu o lado mais dançante da festa. Casais se formavam no improviso, crianças subiam nos ombros dos pais, e a praça se tornava um só corpo, balançando no ritmo acelerado do Nordeste contemporâneo. E mesmo sendo cearense, Fernandes entendeu o peso de cantar em Salvador. “Aqui a mistura é natural. A gente respeita a sanfona, mas também bota pra ferver”, disse, sorrindo.
Mas foi Bell Marques quem mais simbolizou essa mistura que só a Bahia sabe fazer. Ao subir no palco com sua guitarra e aquele sorriso inconfundível, ele não só colocou todo mundo para dançar, como mostrou que o axé pode sim ser protagonista de uma noite junina sem parecer intruso. Músicas como “Voa Voa”, “Selva Branca” e “Diga Que Valeu” ganharam vida nova sob a moldura das bandeirolas, e o público — uma multidão estimada em mais de 40 mil pessoas — respondeu como se estivesse no Carnaval da Barra. Bell ainda surpreendeu ao puxar um arrasta-pé com sua banda em ritmo de forró, deixando claro que o axé também sabe bater triângulo quando é chamado pra roda.
A vibração da noite foi muito além dos estilos musicais. O que aconteceu em Paripe foi uma declaração coletiva da identidade baiana — uma que não se limita a rótulos ou a uma única tradição. O São João na Bahia, e especialmente no Subúrbio, é um lugar onde a sanfona não briga com a guitarra, e onde o povo dança xote e pula axé na mesma noite, com o mesmo entusiasmo. É um São João sem fronteiras musicais, mas com raízes profundas na cultura popular.
Para muitos, o que se viveu em Paripe foi uma reafirmação de que o São João é uma celebração da liberdade criativa do povo baiano — um povo que, mesmo quando celebra uma tradição nordestina centenária, nunca abre mão da sua própria maneira de existir no mundo: com mistura, com ousadia e com uma alegria que transborda o esperado.
E assim, no encontro entre o axé e o forró, entre o Subúrbio e o palco, entre a sanfona e a guitarra elétrica, Paripe mostrou que o São João de Salvador não é só uma festa. É uma tradução sonora da alma do baiano.
SÃO JOÃO MINHA BAHIA uma realização da 585 Studios, com apoio do Governo do Estado, através da Superintendência de Fomento ao Turismo – Sufotur.