segunda-feira, 14 julho 2025
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Atraso no PDDU expõe crise estrutural no planejamento urbano da Bahia

Salvador e o interior enfrentam um colapso silencioso no planejamento urbano: 90% dos municípios baianos ignoram o PDDU, e até mesmo a capital acumula quase 10 anos sem revisão efetiva do plano. Especialistas denunciam falta de participação popular e domínio político no processo.

Histórico de atrasos no PDDU revela crise de planejamento urbano de Salvador e do interior baiano

O atraso na revisão do PDDU revela a crise no planejamento urbano da Bahia. Salvador e cidades do interior seguem sem atualizar o plano, ignorando legislação e a participação da população.

PDDU segue negligenciado mesmo após 25 anos de debate nacional sobre urbanismo

O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), reconhecido como um dos principais instrumentos legais para orientar o crescimento e a organização das cidades, continua ausente ou desatualizado na maioria dos municípios baianos. Mesmo com 25 anos de debates sobre sua importância, grande parte das cidades do estado não possui propostas claras ou atualizadas para guiar seu desenvolvimento.

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Segundo a legislação, o PDDU deve contemplar temas como mobilidade, habitação, infraestrutura, meio ambiente e participação social. O Estatuto da Cidade orienta que cidades com mais de 20 mil habitantes desenvolvam esse plano, mas barreiras políticas, técnicas e financeiras comprometem sua implementação, sobretudo no interior da Bahia.

Falta de compromisso e omissão dos gestores públicos

Dados do Censo 2024 do IBGE apontam que a Bahia conta com cerca de 165 municípios com mais de 20 mil habitantes. No entanto, levantamento do Bahia Notícias revela que apenas 100 desses municípios incluem a pauta do “Desenvolvimento Urbano” nos planos de governo dos prefeitos eleitos em 2024.

Para o antropólogo e professor emérito da UFBA, Ordep Serra, trata-se de uma “irresponsabilidade muito grande”. Segundo ele, “o PDDU é um projeto de escopo amplo e essencial para qualquer cidade. Fazer um plano imediatista, como foi o caso de Salvador, é um erro grave.”

Salvador: quase uma década de estagnação

A capital baiana está há quase 10 anos sem atualização do PDDU. A última revisão ocorreu em 2015 e foi sancionada em 2016. Desde então, o novo plano aguarda tramitação na Câmara Municipal. Em 2023, o prefeito Bruno Reis (União) admitiu que preferiu postergar o debate para não gerar “instabilidade no mercado imobiliário soteropolitano”.

Mesmo com essa decisão política, o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) determina que o PDDU é obrigatório para cidades com mais de 100 mil habitantes. Ainda assim, especialistas recomendam que municípios com mais de 20 mil moradores também o elaborem e revisem regularmente.

Menos de 20 cidades baianas cumprem exigência legal

Salvador, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Camaçari, Juazeiro, Lauro de Freitas, Itabuna, Ilhéus, Porto Seguro, Barreiras, Jequié, Alagoinhas, Teixeira de Freitas, Eunápolis, Simões Filho, Paulo Afonso, Luís Eduardo Magalhães e Santo Antônio de Jesus são as únicas cidades baianas com mais de 100 mil habitantes — faixa em que o plano é legalmente obrigatório.

A urbanista Marlene Costa, professora da UFBA, reforça que “o PDDU deve ser um pacto vivo entre governo e sociedade, constantemente revisado à luz das mudanças urbanas e climáticas”.

Realidade no interior baiano: abandono e desatualização

Apesar do prazo de até oito anos estabelecido em lei para a atualização dos PDDUs, a maioria das cidades do interior mantém seus planos defasados ou sequer debate publicamente a elaboração de um novo.

Segundo levantamento feito com os planos de governo dos prefeitos eleitos em 2024, apenas 29 dos 417 municípios baianos mencionaram propostas de atualização ou criação do PDDU. Isso representa menos de 10% das cidades que, segundo o IBGE, deveriam tratar do tema.

A crise se estende à drenagem urbana

A precariedade vai além do PDDU. A pesquisa MUNIC/IBGE de 2024 apontou que apenas 26 cidades baianas possuem um Plano Diretor de Drenagem Urbana. Esses documentos são fundamentais para enfrentar enchentes, alagamentos e impactos das mudanças climáticas.

População ignorada e ausência de participação democrática

Para o antropólogo Ordep Serra, que participou da construção do projeto “Participa” – que ouviu comunidades de Salvador na elaboração do PDDU de 2016 –, a ausência de participação popular e científica compromete a legitimidade do plano.

“Fizemos uma consulta longa que foi ignorada. As emendas desfiguraram o texto original. O plano virou uma ficção. Foi escrito por técnicos de fora, sem conhecimento de Salvador, sem diálogo com a cidade”, critica.

O papel das câmaras municipais e o domínio da política sobre o técnico

O urbanista Marcos Bau Carvalho, que pesquisou o PDDU de 2008, afirma que as emendas parlamentares se tornaram mecanismos de distanciamento entre o governo e a população.

Segundo ele, “a vontade política dos governantes domina o PDDU. Em vez de atender o interesse coletivo, o plano vira uma colcha de retalhos de interesses específicos.”

Para Bau, “falta penalidade legal para os gestores que não atualizam os PDDUs. Enquanto isso, tudo vira um jogo de cena: as câmaras legislativas seguem aprovando o que convém, sem oposição.”

Casos emblemáticos e a ausência de planejamento estratégico

Jequié, no sudoeste baiano, é uma das poucas cidades que está discutindo uma atualização para 2025. Mas, em geral, os planos diretores seguem sem conexão com os problemas urbanos atuais: crescimento periférico, especulação imobiliária, impactos ambientais e ausência de infraestrutura.

Um estudo publicado em 2021 na revista Imersão, assinado pelo professor Francisco de Queiroz e pelo urbanista Hélio Cunha, já apontava que os PDDUs das 16 maiores cidades do interior baiano eram ineficazes: leis antigas, sem utilidade prática, criadas apenas para atender formalidades.

Planejar é resistir ao caos

O plano diretor é o instrumento que possibilita o uso racional do solo urbano e propõe, junto à população, medidas para melhorar as cidades em seus aspectos sociais, ambientais e econômicos.

O futuro das cidades baianas dependerá da capacidade de transformar o PDDU em um documento vivo, inclusivo e eficaz — e não em uma peça teatral escrita nos bastidores da política.

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Gabriel Figueiredo
Gabriel Figueiredo
Gabriel Figueiredo, jornalista baiano, nascido em Feira de Santana, com mais de 15 anos de experiência, é referência em notícias locais e inovação do Minha Bahia.
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