TRT-BA reconhece vínculo trabalhista de mulher adotada aos seis anos e tratada como empregada em Salvador
A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) confirmou que uma mulher de 31 anos, levada ainda criança do interior do estado para Salvador, foi submetida a condições análogas à escravidão doméstica por mais de duas décadas.
A Justiça concluiu que ela não era filha de criação, como alegava o casal responsável por sua guarda, mas empregada doméstica sem direitos trabalhistas.
O caso teve início em 2000, quando a menina, então com 6 anos, foi levada de Lamarão, no interior baiano, para a capital sob a promessa de melhores condições de vida. O casal dizia ter recebido a criança para ajudar o patrão, que havia sofrido um acidente, mas ela acabou assumindo atividades domésticas permanentes.
Infância sem direitos e vida de trabalho doméstico
Segundo os autos, a menina acordava às 4h da manhã para preparar o café da família e realizava tarefas domésticas orientada por outras funcionárias. Durante alguns anos, frequentava a escola, mas o tempo de aula era o único momento de descanso.
Aos 15 anos, precisou abandonar os estudos para cuidar do neto dos patrões e só conseguiu concluir o ensino médio, por supletivo, aos 24 anos.
Relatos de testemunhas confirmaram que a jovem era tratada com rigidez e subordinação, sem jamais ter sido acolhida como integrante da família.
Em 2020, após questionar sua situação, foi expulsa de casa e perdeu o vínculo com o casal.
Casal alegou que vítima era “filha de criação”
A defesa dos patrões afirmou que a mulher sempre foi tratada “como filha” e negou qualquer forma de exploração. Alegaram que ela frequentava a escola, brincava e chegou a fazer curso técnico de enfermagem pago pela família.
Também disseram que o comportamento da jovem mudou em 2018, após iniciar um relacionamento.
Entretanto, as provas apresentadas e as testemunhas ouvidas convenceram a Justiça de que a adoção foi, na verdade, uma forma disfarçada de exploração do trabalho doméstico infantil.
Decisão judicial reconhece vínculo e condena casal
A juíza Viviane Martins, da 12ª Vara do Trabalho de Salvador, afirmou em sua decisão que a análise deveria considerar fatores socioeconômicos, históricos e culturais, destacando a discriminação racial e de classe que permeia casos semelhantes.
“A menina negra deixou de ser vista como criança e passou a ser tratada como corpo disponível para o trabalho”, destacou a magistrada.
A sentença reconheceu o vínculo empregatício, determinou a anotação em carteira de trabalho e fixou indenização por danos morais de R$ 100 mil.
Indenização reduzida para R$ 50 mil no TRT-BA
Os acusados recorreram, e o caso foi analisado pela 1ª Turma do TRT-BA, que manteve o reconhecimento do vínculo de emprego, mas reduziu a indenização para R$ 50 mil, considerando a capacidade financeira dos réus.
A relatora, juíza convocada Dilza Crispina, ressaltou que o episódio reflete uma prática ainda recorrente no país:
“A adoção de meninas do interior sob a promessa de educação e mobilidade social muitas vezes resulta em relações precárias de trabalho doméstico infantil, herdeiras de uma cultura colonial e escravocrata.”
A decisão foi unânime quanto ao vínculo trabalhista e aprovada por maioria em relação ao valor da indenização.
O caso ainda cabe recurso, mas já é considerado emblemático por evidenciar a continuidade de práticas de exploração travestidas de adoção no Brasil.
