sexta-feira, 5 dezembro 2025
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Mulher adotada aos 6 anos é mantida como empregada doméstica por 20 anos em Salvador

Levada do interior da Bahia aos seis anos, uma mulher viveu por duas décadas como empregada doméstica de um casal que afirmava tê-la adotado. O Tribunal Regional do Trabalho da Bahia reconheceu o vínculo empregatício e determinou indenização de R$ 50 mil à vítima.

TRT-BA reconhece vínculo trabalhista de mulher adotada aos seis anos e tratada como empregada em Salvador

A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) confirmou que uma mulher de 31 anos, levada ainda criança do interior do estado para Salvador, foi submetida a condições análogas à escravidão doméstica por mais de duas décadas.
A Justiça concluiu que ela não era filha de criação, como alegava o casal responsável por sua guarda, mas empregada doméstica sem direitos trabalhistas.

O caso teve início em 2000, quando a menina, então com 6 anos, foi levada de Lamarão, no interior baiano, para a capital sob a promessa de melhores condições de vida. O casal dizia ter recebido a criança para ajudar o patrão, que havia sofrido um acidente, mas ela acabou assumindo atividades domésticas permanentes.

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Infância sem direitos e vida de trabalho doméstico

Segundo os autos, a menina acordava às 4h da manhã para preparar o café da família e realizava tarefas domésticas orientada por outras funcionárias. Durante alguns anos, frequentava a escola, mas o tempo de aula era o único momento de descanso.

Aos 15 anos, precisou abandonar os estudos para cuidar do neto dos patrões e só conseguiu concluir o ensino médio, por supletivo, aos 24 anos.
Relatos de testemunhas confirmaram que a jovem era tratada com rigidez e subordinação, sem jamais ter sido acolhida como integrante da família.

Em 2020, após questionar sua situação, foi expulsa de casa e perdeu o vínculo com o casal.

Casal alegou que vítima era “filha de criação”

A defesa dos patrões afirmou que a mulher sempre foi tratada “como filha” e negou qualquer forma de exploração. Alegaram que ela frequentava a escola, brincava e chegou a fazer curso técnico de enfermagem pago pela família.
Também disseram que o comportamento da jovem mudou em 2018, após iniciar um relacionamento.

Entretanto, as provas apresentadas e as testemunhas ouvidas convenceram a Justiça de que a adoção foi, na verdade, uma forma disfarçada de exploração do trabalho doméstico infantil.

Decisão judicial reconhece vínculo e condena casal

A juíza Viviane Martins, da 12ª Vara do Trabalho de Salvador, afirmou em sua decisão que a análise deveria considerar fatores socioeconômicos, históricos e culturais, destacando a discriminação racial e de classe que permeia casos semelhantes.

“A menina negra deixou de ser vista como criança e passou a ser tratada como corpo disponível para o trabalho”, destacou a magistrada.

A sentença reconheceu o vínculo empregatício, determinou a anotação em carteira de trabalho e fixou indenização por danos morais de R$ 100 mil.

Indenização reduzida para R$ 50 mil no TRT-BA

Os acusados recorreram, e o caso foi analisado pela 1ª Turma do TRT-BA, que manteve o reconhecimento do vínculo de emprego, mas reduziu a indenização para R$ 50 mil, considerando a capacidade financeira dos réus.

A relatora, juíza convocada Dilza Crispina, ressaltou que o episódio reflete uma prática ainda recorrente no país:

“A adoção de meninas do interior sob a promessa de educação e mobilidade social muitas vezes resulta em relações precárias de trabalho doméstico infantil, herdeiras de uma cultura colonial e escravocrata.”

A decisão foi unânime quanto ao vínculo trabalhista e aprovada por maioria em relação ao valor da indenização.
O caso ainda cabe recurso, mas já é considerado emblemático por evidenciar a continuidade de práticas de exploração travestidas de adoção no Brasil.

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Gabriel Figueiredo
Gabriel Figueiredo
Gabriel Figueiredo, jornalista baiano, nascido em Feira de Santana, com mais de 15 anos de experiência, é referência em notícias locais e inovação do Minha Bahia.
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